segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

De porta em porta

Eram vizinhos, pouco importa se da frente ou do lado, interessante é que seus sofás ficavam de costas um para o outro. Num apartamento germinado, o sofá dele dava de bunda pro sofá dela.

Aos poucos foram percebendo essa proximidade, quando cada um chegava e sentava bruscamente em seu sofá, provocava um pequeno tremor na parede que atingia o apartamento do outro. Ele, ligava a Sport TV e abria uma lata de cerveja irlandesa. Ela, assistia algum programinha na GNT enquanto tomava seu "shake" depois da academia.

Mas perto mesmo, eles ficavam em alguns finais de semana, quando jogava seu time e ele dava pulos no sofá, urrando altos palavrões que ecoavam pela sacada aberta. Ou quando ela levava um namorado e eles transavam depois de um filminho e sempre acabavam falando alto umas sacanagens e empurrando o sofá mais forte contra a parede.

Eles nunca se encontravam. Ele, publicitário, ela, trabalho em horário comercial. Ele se mudara há pouco tempo, suas vagas de garagem não eram próximas, não frequentavam as reuniões do condomínio. Ela fazia as compras na lojinha natureba lá pertinho. Ele comprava o que precisava na loja de conveniência do posto da esquina.

Ela, no entanto, sabia quem ele era: inteligente, até bonito, tocava guitarra e às vezes ouvia barulho de baixo.Acordado até tarde, devia ser viciado em internet. Ele pensava às vezes na vizinha gostosa, que fazia algum  tipo de esporte, por causa das garrafinhas de gatorade que via na lixeira.  Divertida, a moça que falava muito ao telefone, dava altas risadas e devia provocá-las em alguém. Muito ocupada, só tinha tempo para lavar suas roupas de madrugada,  horário que cismava em ligar a máquina barulhenta.

Um sabia muito do outro, mas não provava. Tinham uma certa curiosidade boa de manter. Ela quase um dia interfonou para reclamar da gritaria em dia de jogo, mas era antes das dez e estava previsto no regulamento do condomínio. E no mais, se ele fosse muito feio e tivesse a voz fina? Ele pensou em tocar a campainha, mas não havia vazamento algum vindo do ap dela. E o risco de ela não ser nem gostosa, nem divertida?

Preferiram ficar de costas um pro outro, descobrindo sinais sonoros ou restos nas lixeiras. Como num jogo de presença e ausência, estavam perto e longe, mas tinham um ao outro. As portas, de frente, de lado, pouco importa, permaneceram fechadas. Abrí-las para a realidade seria muito risco, melhor assim.


9 comentários:

  1. Acho que ainda assim valeria a pena saber se ele era realmente feio e ela nem tão gostosa. Afinal, é o que resta. Depois quem sabe, mandar o outro passear e enfim, brincar.

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  2. Olá, Kenia... Olha, seu texto prendeu bem a minha atenção. Gostei da sua narrativa e achei você muito talentosa ao lidar com as palavras. Estou correto em dizer que é uma crônica? Sendo crônica ou conto, o certo é que se trata de uma história deliciosa para se ler. Parabéns, viu? Abraço...

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  3. Keninha,
    Ficou linda esta cronica, fiquei com vontade de saber quem são essas pessoas, mas a graça está em cada leitor imaginar a pessoa que gostaria de encontrar. Parabéns, que orgulho.
    Tia Cida

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  4. Tati,
    Claro que vale!!! A gente se machuca, cai, levanta, mas se arrisca...eu prefiro assim.

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  5. Geraldo
    Cida

    Era pra ser apenas um post, obrigada pela "crônica". Quem sabe não começo a escrever bem mesmo? hehe

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  6. Geraldo,
    Obrigadíssimo pela visita, venha sempre pro cafezinho!!!

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  7. Tia Cida,
    Imaginar é preciso, né! Afinal, desde pequenininha eu me ponho a imaginar...Adorei, beijo !

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  8. Kenynha a cada texto tenho grandes surpresas e um orgulho danado de ser amiga de uma menina não tão mediana assim mas sim muito especial!!!
    Adoro tú viu
    Bjs
    Allice

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  9. Alicinha, obrigada amiga, especial vc tbém!
    Tá namorando, tá namorando....hehe.

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